26o.Domingo do Tempo Comum depois de Pentecostes – Ano “B”
Ester 7,1-10; 9,20-22–43: Fomos vendidos e escravizados, eu e o meu povo
Salmo 124 – Nosso socorro vem em nome do Senhor
Tiago 5,13-20 – Confessai-vos uns aos outros e sereis curados
Marcos 9,38-50 – É por nós quem não é contra nós
“Todos os devem ser realizados para promover o diálogo, principalmente entre as três religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, pertencem ao mesmo tronco abraâmico-profético, tendo como fundamento o respeito à diversidade, à liberdade, o fim da miséria no mundo, o fim da dominação de um povo sobre outro”, dizia Manoel Miranda, alguns anos atrás.
Algumas coisas a considerar, quanto ao evangelho de hoje, confirmando a voz e a boa teologia ecumênica sem fronteiras religiosas que conferimos acima. Quando Deus estabelece o seu reino, nenhum poder tem condições de separar “os filhos do reino (de Deus)”. Trata-se de uma promessa, porém destinada ao “pequenino rebanho”, discípulos de Jesus, a quem o Pai resolveu conceder um reinado (cf.Lc 13,32). Mas as palavras de Jesus, provocando tensão, envolvem polarizações: de um lado a promessa de vida e correção de desigualdades; do outro, a referência ao perigo de se “herdar a morte”, a treva, o inferno (cf. Mt25,41;7,13; 25,30;8,12). Há uma soteriologia complexa, a partir daqui, porque a promessa de salvação é vinculada a determinadas condições. Combina muito pouco com a teologia paulina, harmoniza ao extremo com a ética de Tiago.
A validade dessas advertências parece contradizer a concepção paulina sobre a gratuidade incondicional… mas são contextos diferentes. Referem-se a questões que se harmonizam conforme a abordagem ética ou doutrinal. É sempre importante considerar, também, que Paulo é intérprete de Jesus. Suas palavras sobre a gratuidade de Deus não se referem à aceitação continuísta da religiosidade regulamentar. O importante não é o que diz a religião, mas o testemunho da ação libertadora de Deus. Quem foi mais ecumênico que Paulo, entre os apóstolos de Jesus Cristo, unindo os povos do mundo greco-romano com a fé cristã?
Jesus não está falando de religião e doutrina, e sim das dificuldades do caminho e da chegada e entrada no reino, aqui e agora: “Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela” (Mt,7-14; cf. G.Kümmel, Síntese Teológica do NT, Paulus/Teológica, p.56, quando é abordada a questão: “O Senhorio de Deus sobre o mundo”). Surge, então, uma aguda pergunta: a proclamação de Jesus da proximidade do Reino de Deus não é pregação de salvação? Penso que sim, o todo contaminado pelos pecados estruturais não difere do ser total “pecador”, de cada homem e de cada mulher, ou da particularidade do ser necessitado de salvação. A questão ontológica é inseparável, na salvação do “ser social”, inclusive, como João Dias de Araújo escreve no hino ecumênico: “não só a alma do mal salvar, / também o corpo ressuscitar”. A questão é seguramente pedagógica, também. O entorno e cenário são a mesma casa em Cafarnaum, onde Jesus ensina e prepara seus discípulos para a missão de Deus.
Os apóstolos proíbem utilizar o nome de Jesus e curar alguém que “não é dos nossos”, num primeiro momento (Mc 9,38-50). Mas Jesus, com uma visão ecumênica ultra aguçada, impede que se proíba de fazer o bem a quem e por quem não seja do próprio grupo religioso, porque “quem não está contra nós está a nosso favor”. Com suas obras, suas atitudes éticas e suas lutas, devem ser considerados em todos os merecimentos e busca de dignidade, embora não seja “do nosso lado”. Um manifesto comum em favor da justiça e da igualdade quanto aos bens disponíveis, características da manifestação do Reino de Deus.
Marcos demonstra que os discípulos pensavam de modo equivocado:“Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque ele não nos segue” (9,38). Jesus corrige a mesquinhez antiecumênica mostrando que a ação de Deus está na produção de meios para a sustentação da vida e da justiça: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor” (9,39-40).
Marcos informa: a ação salvadora, libertadora, contra o mal, a fome, a injustiça, a miséria – prerrogativas do discipulado no movimento de Jesus – é bem-vinda, sempre, venha de onde vier. Também essas, se estiverem alimentando a esperança e a vida, receberão a recompensa de Deus (9,41). Cabe-nos compreender a essência do discipulado de Jesus, identificando o cenário onde a causa de Deus se apresenta no drama das misérias humanas, retratos da injustiça social e das desigualdades existentes:
Existem coisas profundas e belas nas relações entre homens e mulheres do mundo inteiro, sejam quais forem as suas religiões, ideologias e culturas. A misericórdia, o cuidado e a compaixão pelos despoderados, pequenos, oprimidos e abandonados, são patrimônio da humanidade inteira. No contraponto do evangelho de Marcos, Tiago oferece um dos textos mais duros do evangelho, sobre os ricos e as riquezas. Mais grave, dirige-se aos cristãos e cristãs de sua comunidade. Neste momento, as igrejas movem-se pela ganância, volume em arrecadação; pelos números, buscando ser financeiramente ricas, sob vários pretextos. Menos o principal nos evangelhos. Um pastor magnata é capaz de liderar 8 milhões de fieis que o aprovam dentro de sua denominação, e alcançar a admiração de outros 20 ou 30 milhões de brasileiros evangélicos (pesquisas têm comprovado tal realidade). Escândalos de corrupção eclesiástica e evasão de divisas tornaram-se comuns. Imediatamente justificados, e seguido pela ordem de silêncio dentro das igrejas.
Porém inutilmente, porque, diante do poder público, esses impérios religiosos são indevassáveis. Marcos acentua a luta em favor da justiça (“é por nós quem não atua contra nós). Que luta é essa, aprovada por Marcos, onde não-cristãos, agnósticos e ateus, formam as mesmas fileiras ou atuam juntos na mesma política? A missão de Deus não tem fronteiras nem quartéis de infantaria, marinha ou de aeronáutica. Sublinhando as necessidades humanas, a busca da justiça, nos desígnios de Deus, estão muito acima – se não distantes –, Marcos fala dos que lutam pela justiça e pela razão dos direitos fundamentais democráticos. Sociedades ricas são minoria, e 6 bilhões de homens, mulheres e crianças pobres (dos 7 bilhões habitantes do planeta, 2 bilhões vivem sob o estigma da fome), conhecem bem o que lhes cabe, conforme designações culturais e políticas que justificam o abandono e as desigualdades. Os cristãos sempre perguntarão: quem está ao lado de Jesus Cristo, e quais são os valores da causa? O que Deus quer dos cristãos, senão justiça, amor, compaixão e solidariedade?
Derval Dasilio disse:
NOTAS EXEGÉTICAS E HERMENÊUTICAS
“Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos exilado, forasteiro, e te acolhemos? Ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te? E (Jesus) responder-lhes-á: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes. Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai- vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos; porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; era forasteiro, e não me acolhestes; estava nu, e não me vestistes; enfermo, e na prisão, e não me visitastes. Então também estes perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou forasteiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Ao que lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim” (Mt 25,31-45).
Evangelio: Marcos (Mc 9,38-43.45.47-48): El evangelio contra el puritanismo
1. El evangelio de hoy nos cuenta una pequeña historia, parecida a la que hemos encontrado en la vida de Moisés sobre el espíritu que se da libremente a dos personajes que no pertenecían al grupo de los ancianos. En este caso, Juan, ha encontrado a alguien que hace milagros o exorcismos y quiere impedírselo como si eso fuera exclusivo de Jesús, el profeta de Nazaret. Pero Jesús, en una respuesta que se asemeja a la de Moisés exige que no se le impida, porque todo el que hace el bien (ese es el sentido que puede tener el hacer milagros en nuestro texto) no puede estar contra Jesús que vino a hacer el bien a los hombres. Es verdad que existe otra sentencia de Jesús, de la fuente “Q” (extrato básico não canônico, constituinte, principalmente, da fonte escriturística do evangelho de Marcos), que no estaría en esta línea (cf Mt 12,30; Lc 11,23): “quien no está conmigo, está contra mí” y que expresaría la radicalidad de algunos profetas itinerantes que defendieron un exclusivismo como el de Juan.
2. Es verdad que el conjunto de dichos que se concentran en Mc 9,42-50 se presta a muchas lecturas. Están expresados con los giros semíticos propios del lenguaje de contraste. Nadie debe tirarse al mar atado a una piedra; como nadie puede odiar a los suyos por amar a Jesús y su evangelio. El escándalo del que nos habla el evangelio de hoy no está relacionado con un puritanismo moralizante que lleva a excesos inhumanos. Es un escándalo de los “pequeños”, los que pueden ser “exorcistas extraños”, pero que no son contrarios al evangelio, a la bondad, a la sabiduría divina. Con sus obras, con sus actitudes y sus luchas deben ser considerados en toda su dignidad, aunque no sean de los nuestros. Se quiere poner de manifiesto, por parte de Jesús, que en ellos también hay algo del reino que él ha venido a traer.
Esta enseñanza del evangelio de hoy pone de manifiesto que la praxis cristiana no puede defenderse como exclusivismo y como independencia absoluta. Todos los hombres son capaces del bien, porque todos los hombres han recibido los dones de Dios. Por lo mismo, allí donde se trabaja por los demás, donde se abren las puertas a los hambrientos y los sedientos, aunque no conozcan al Dios de Jesús, allí los cristianos pueden participar sin exigir garantías jurídicas que justifiquen sus compromisos. La comunidad cristiana, la Iglesia, no debe presentarse como el “gheto” de los salvados o redimidos con criterios de puritanismo y legalismo, porque esta promesa es para todos los hombres.
Miguel de Burgos Núñez
Frei dominicano